Cota racial negada pela banca de heteroidentificação. O que fazer?

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Você sabe como funciona a heteroidentificação?

A Lei de Cotas abriu as portas das instituições públicas de ensino e cargos públicos para pessoas pretas e pardas, permitindo que esse grupo tivesse acesso a oportunidades de empregos melhores.

Contudo, como não havia um processo rígido de verificação das inscrições, o número de fraudes começou a crescer — prejudicando o público-alvo desse direito.

Para evitar essas fraudes e garantir que as cotas sejam utilizadas pelas pessoas a quem são realmente destinadas, as instituições começaram adotar um processo chamado heteroidentificação.

No entanto, não raras vezes ocorre ilegalidades no procedimento de heteroidentificação, acarretando de forma indevida o indeferimento da matrícula do vestibulando ou a eliminação do candidato a concurso público.

Continue comigo nesse conteúdo para descobrir como funciona o procedimento de heteroidentificação e saiba o que fazer caso você tenha sido eliminado. Aproveite a leitura!

1. O que é heteroidentificação?

Heteroidentificação é um procedimento utilizado para identificar a etnia/racialidade de uma pessoa, através da avaliação de um terceiro.

Esse método é utilizado na maioria dos concursos, sobretudo nas instituições federais, para evitar fraudes de candidatos que não poderiam utilizar as cotas raciais para ingressar no curso.

A heteroidentificação é fundamental para garantir o cumprimento da lei e o uso desse direito pelo público a quem é destinado.

Porém, o edital de seleção que rege o concurso deve prever critérios objetivos de avaliação das características fenotípicas.

Além disso, a decisão de indeferimento da inscrição do candidato deve ser fundamentada pela banca de heteroidentificação, sob pena de anulação do ato administrativo, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, LV da CF/88.

2. Como funciona o procedimento de heteroidentificação?

Desde 2017, o Supremo Tribunal Federal validou a constitucionalidade da lei 12.990, permitindo que a autodeclaração racial, feita pelos candidatos normalmente durante a inscrição, fosse válida através de métodos como a heteroidentificação.

Para aplicar esse procedimento, a instituição deve determinar uma banca, que ficará responsável por analisar as características fenotípicas do candidato — verificando se estão adequadas a sua autodeclaração.

Ao final da discussão, os integrantes da banca examinadora votam, prevalecendo a decisão da maioria.

Importante destacar que a heteroidentificação deve ser gravada e os examinadores não podem se basear em outros documentos, nem mesmo a certidão de nascimento, ou ainda informações relacionadas à ascendência do candidato.

Assista ao vídeo de simulação de uma banda de heteroidentificação.

Porém, infelizmente, muitas vezes os critérios da banca são subjetivos, e acabam por reprovarem candidatos que se enquadrem no fenótipo negro (pretos e pardos) e aprovarem candidatos brancos.

Caso você tenha sido reprovado na heteroidentificação, sugiro que visite as redes sociais dos candidatos que foram aprovados nesta etapa.

Você pode entrar com recurso administrativo — mas antes você deve requerer as gravações registradas durante o procedimento original.

A verdade é que as chances do recurso direcionado à banca de heteroidetificação são muito pequenas, porque não utilizam as provas documentais dos candidatos para ratificarem a autodeclaração.

A boa notícia é que em casos como esse é possível se recorrer à Justiça. Nesse caso, você precisará de um advogado especialista em concurso público que levará seu caso para apreciação de um juiz.

Sobre essa possibilidade, eu falarei mais a frente, em capítulo próprio, para lhe contar os detalhes.

3. Como comprovar que sou pardo?

Atualmente, grande parte dos concursos reservam uma quantidade de vagas (de 20% a 50%) para serem preenchidas pelos aprovados autodeclarados como pretos e pardos.

Para ter acesso a essas vagas, os candidatos devem durante a inscrição realizar a autodeclaração, baseado em uma avaliação pessoal.

Contudo, devido ao alto número de fraudes que ocorriam no passado, sobretudo nas instituições públicas de ensino superior, a maioria dos concursos passou a utilizar heteroidentificação para examinar cada candidato e aprovar (ou não) sua autodeclaração.

Mesmo proporcionando excelentes resultados, esse processo não é 100% objetivo, dado que a concepção racial é bastante voltada ao campo subjetivo, principalmente em relação aos pardos.

Inclusive é possível encontrar diversos casos de candidatos reprovados por uma banca e aprovados por outros examinadores.

Se você passou por essa situação — sido impedido de finalizar sua matrícula — saiba que é possível recorrer a esse resultado!

O primeiro passo para aumentar suas chances de conseguir a aprovação é conhecer a definição de pardo conforme a lei!

4. Definição de pardo para cotas

A Lei nº 12.990 determina as regras acerca da reserva de vagas em concursos para preenchimento de cargos e empregos controlados pela União.

Essas diretrizes também exemplificam qual conceito que deve ser usado para definir pessoas pretas e pardas, que está presente no artigo baixo:

Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Mas… qual é o quesito do IBGE? Segundo Marta Antunes, da Gerência Técnica do Censo Demográfico: “O termo pardo remete a uma miscigenação de origem preta ou indígena com qualquer outra cor ou raça.”

Além dessa definição, os examinadores também devem considerar as características fenotípicas da etnia durante as avaliações.

Características fenotípicas de pardo

As características físicas que definem alguém como pardo são bastante complexas, devido à miscigenação típica da etnia.

Inclusive, muitas pessoas acreditam que a identificação deve ser feita apenas baseada na ascendência do candidato — corrente pouco defendida pelos pesquisadores, pois abre brechas para pessoas brancas conquistarem essas vagas.

De modo geral, os examinadores avaliam se os candidatos possuem traços físicos negróides, como cor de pele com tonalidades escuras, formato dos olhos, textura dos cabelos, lábios grandes e escuros, barba pouco abundante, e narinas alargadas de pontas arredondas…

Para entender corretamente quais os critérios utilizados pelo concurso que você está inscrito, leia os editais na íntegra! Principalmente as regras relacionadas a cotas e ao processo de heteroidentificação.

Dica: com base nessas informações, faça uma autoavaliação e analise se você seria aprovado ou não — evitando frustrações ou problemas mais sérios no futuro.

Como faço para me autodeclarar pardo?

Para se autodeclarar pardo nos concursos, você deve escolher a opção “pardo(a)” durante a sua inscrição, na pergunta relacionada a etnia, e preencher o documento enviado pela instituição.

Veja abaixo um modelo:

Além disso, lembre-se de comparecer a heteroidentificação no dia agendado, caso a instituição responsável pelo concurso realize esse processo.

5. Como funcionam as cotas raciais?

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Inep, mais de 8,6 milhões de brasileiros estão matriculados em instituições de ensino superior. Contudo, somente 613 mil estudantes se autodeclaram pretos — representando 7,12% desse grupo.

A informação assusta ainda mais quando descobrimos que, segundo o IBGE, 54% da população brasileira é negra.

Ou seja, a desigualdade racial no ensino ainda é bastante grave em nosso país, que acaba afetando outros setores da vida humana, sobretudo o econômico.

Para amenizar esse cenário, o Governo Federal estabeleceu as cotas raciais.

Esse direito determina a reserva de uma porcentagem das vagas aos candidatos autodeclarados pretos ou pardos, que sejam aprovados em concursos públicos, seja em instituições de ensino ou para cargos em órgãos do Estado.

Qual a lei de cotas para concurso?

Para proteger o direito às cotas, existem duas leis principais: uma que incide sobre as vagas em universidades e institutos federais e outra para cargos públicos.

A primeira é a Lei nº 12.711, a qual desde 2012 estabelece que 50% das vagas de instituições federais de ensino superior devem ser reservadas a estudantes que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas.

Além disso, essas vagas serão divididas entre candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas e com deficiência.

Para determinar a divisão dessas vagas entre os grupos prioritários, a instituição deve utilizar a proporção do total de vagas em relação à quantidade de moradores da unidade da Federação onde está localizada a instituição.

Ademais, a Lei 12.990, em vigor desde 2014, estabelece que 20% das vagas abertas para cargos efetivos e empregos públicos devem ser reservadas a candidatos pretos ou pardos.

Essa lei incide sobre processos seletivos realizados por instituições:

  • Da administração pública federal;
  • Autarquias;
  • Fundações públicas;
  • Empresas públicas;
  • Sociedades de economia mista controladas pela União.

Como funciona a cota racial no Enem?

A maioria das instituições federais utilizam a nota do Enem durante o processo seletivo dos estudantes. Para isso, as universidades e institutos implementam o Sistema de Seleção Unificada (SiSU).

Seguindo as diretrizes da Lei nº 12.711, também conhecida como Lei de Cotas, essas instituições devem reservar 50% das suas vagas para os grupos prioritários — alunos de baixa renda, pretos, indígenas, pessoas com deficiência…

O primeiro passo para ter acesso a esse direito é se inscrever no Enem durante o período certo e, no momento da inscrição, se autodeclarar preto ou pardo.

Cotas em concurso público

Mesmo que a lei apresentada acima incida sobre cargos públicos diretamente ligados à União Federal, segundo os princípios legais, essa regra também é válida para concursos realizados por estados, municípios e pelo distrito federal.

Assim, as cotas em concursos públicos devem ser aplicadas, reservando 20% das vagas para candidatos pretos e pardos. 

Cotas raciais nas universidades

Como foi dito anteriormente, as universidades públicas devem reservar parte das suas vagas para as cotas raciais.

A quantidade de vagas é diferente para cada universidade, pois segue uma proporção relacionada aos dados do seu estado, divulgados pelo IBGE.

Por exemplo, na Bahia — segundo estado com mais pessoas autodeclaradas pretas ou pardas — terá mais vagas reservadas do que estados da região sul, onde o percentual de negros é menor.

Ademais, para ter acesso a essas cotas, você deve também realizar sua autodeclaração no momento da inscrição, preencher o documento e comparecer a heteroidentificação, se for necessário.

6. Em que documento consta a cor da pessoa?

Atualmente, a autodeclaração é o único documento exigido pela legislação para comprovar qual etnia a pessoa integra.

Inclusive, muitas bancas examinadoras não aceitam outros documentos e registros, como a certidão de nascimento, que era utilizada antigamente para essa certificação.

Portanto, não se esqueça de, no momento da inscrição, realizar sua autodeclaração e preencher o documento disponibilizado pela instituição responsável pelo concurso.

7. O que fazer quando a cota racial é negada?

Você possui todas as características determinadas pela lei, mas teve sua cota racial negada?

Fique tranquilo, pois é possível recorrer!

Esse direito foi determinado também pelo STF, ao permitir o uso da heteroidentificação para comprovar a raça e etnia dos candidatos.

Assim, você pode defender sua condição racial e, caso seja deferido, utilizar a vaga reservada para cota racial.

Importante destacar que alguns concursos públicos não eliminam de imediato o candidato, mas sim redirecionando essa pessoa para a categoria de ampla concorrência — sem preferência alguma.

A exclusão, na verdade, somente é realizada caso seja comprovada que você agiu de má-fé, com intenção de fraudar a cota.

8. Como entrar com recurso contra a banca de heteroidentificação?

O recurso contra a banca de heteroidentificação é uma peça textual dirigida à instituição responsável pelo concurso.

O principal objetivo desse documento é solicitar a revisão do resultado do exame (previamente negado), permitindo que o candidato utilize a vaga destinada às cotas raciais.

Para iniciar esse procedimento, o primeiro passo é contratar um advogado, de preferência especializado na área.

Em seguida, compareça aos encontros marcados por ele, disponibilize todos os documentos solicitados pelo advogado e aguarde os próximos passos do processo.

Para maior segurança, busque por profissionais que sejam referência no mercado ou no seu ciclo de amigos e familiares!

Ao final do processo, o seu recurso pode obter um dos dois resultados abaixo:

Lembrando que:

  • Deferido: aprovado;
  • Indeferido: reprovado.

Contudo, caso seu recurso seja indeferido, será preciso recorrer ao poder judiciário, para que um juiz análise a legalidade do ato da banca que reprovou o candidato, saiba mais sobre como recorrer à Justiça no próximo capítulo.

9. Recurso para banca de heteroidentificação indeferido: o que fazer?

Você teve seu recurso contra a banca de heteroidetificação negado? Calma!

Se você não concorda com a decisão da banca, ainda é possível ter acesso à sua tão sonhada vaga pública.

Nesse caso, a opção que lhe resta é ingressar com uma ação judicial, levando o seu caso para análise de um juiz.

Essa, na verdade, é a opção que apresenta maiores chances de êxito, porque o juiz não está adstrito a uma única forma de comprovação.

As chances de reverter a decisão da banca de heteroidentificação por via judicial costumam ser muito boas.

Outro benefício de buscar reverter a decisão desfavorável na Justiça é o fato de que o juiz pode conceder uma liminar para você iniciar imediatamente o curso (vestibulando) ou começar a trabalhar (concursando) até terminar o processo e ter uma decisão final.

Uma liminar é uma decisão provisória, portanto, que precisa ser confirmada ao final do processo. Embora não definitiva, ela é muito importante para o candidato não perder as aulas do curso enquanto se discute o processo.

É verdade que o recurso pela via judicial é mais demorado, mas em compensação o judiciário possui mais tempo para fazer uma análise completa das razões do seu recurso e também das provas.

Portanto, as chances de sucesso são muito maiores.

Conclusão

A heteroidentificação é um procedimento importante para assegurar as vagas reservadas para cotas aos estudantes que realmente possuem direito.

Contudo, como este é um processo baseado em quesitos subjetivos, podem acontecer algumas falhas e equívocos por parte dos examinadores.

Caso isso ocorra com você, utilize as informações apresentadas ao longo desse conteúdo para recorrer a essa decisão e, quem sabe, reverter a situação ao seu favor.

Siga todas as orientações do seu advogado corretamente e consiga, finalmente, ter acesso a sua tão sonhada vaga pública.

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